18 de maio de 2015

A casa é minha


Estou desesperada. Dói onde sinto, e não onde toco. Antes fosse dengue, um soco no olho ou cólica menstrual. Todos esses pequenos incômodos são bem irritantes, mas com o tempo passam. Quero dizer, sabemos que vai passar. A gente tem certeza que tem prazo de validade. Mas e quando não é nada disso? Minha mãe costuma dizer que não há dor tão forte que seja eterna. Ela me diz muitas coisas... Eu adoraria me ouvir também. Apesar de nova, consigo dar bons conselhos. Arrumar a vida dos outros deveria ser minha especialidade. Mas por que não consigo faxinar meu próprio coração e mudar a decoração? Deixar entregarem a mobília nova e dar espaço para novos quadros, novas recordações.

Somos casas, gosto de pensar assim. As coisas andam bem ruins dentro de mim e por um bom tempo, guardei tudo, no porão. Escondi a poeira e pintei as paredes mofadas. Não comprei flores, e deixei as janelas fechadas. Não queria ouvir uma voz que fosse. Fui egoísta, me dei ouvidos quando não deveria. A única música que tocava era a com som de ondas batendo ao fundo. Não consegui segurar meu tsunami. A casa mofada, inundou. As paredes não aguentaram e de repente, o lado de fora infiltrou. Acho que eram meus sentimentos, intensos, sendo externados. Não dava mais para esconder que eu precisava de ajuda. Que minha onda não era mais segura, e nem podia ser segurada.

Demora um tempo pra perceber que somos humanos, e não casas. Apesar da comparação, não podemos ser demolidos, no máximo arrebentados. Casas não sangram, pessoas sim. Casas inundam, pessoas choram. E como chorei! Inundaria minha casa de dois andares e o primeiro andar do vizinho ao lado. Ele nem tem nada a ver com isso, e assim pensava quando cogitava compartilhar com meus amigos ou conhecidos sobre o que estava e estou passando. Odiaria ver o meu abrigo alternativo, meu refúgio, ensopado. Já bastam os travesseiros, as mangas do casaco e o cobertor.

Morar em mim tem sido insuportável. Todo dia chove, todo dia um pedaço cai sem avisar. As pessoas querem entrar, resolver, reformar, mas a porta emperrou. Não quer abrir. A chave se perdeu. Os quadros não param na parede, que de rosa, virou bege morto. Se me perguntassem como me sinto, diria bege morto. Espero que a casa não esteja condenada. Não tenho como sair. Estou presa, precisando de uma pintura, novas fotos para pendurar e cola. Se conhecer um mecânico, deixe o cartão. Me ofereça ajuda, mesmo se eu não pedir. Ajo como uma casa, em silêncio, não peço ajuda, e quando mostro o que há de errado, já pode ser tarde demais.

Não sou uma casa. Como diria Bella Swan, "não posso ser consertada". Vou sofrer, vou gritar até alguém me ouvir, mesmo que eu não emita som. Vou cair diversas vezes, recolher os pedaços e montar o quebra-cabeça. Não sou um quebra-cabeça, não sou uma casa. Sou humana. Sinto falta do ar nos pulmões, no momento, em brasa. Não literalmente. Sinto falta das maquiagens não borradas, dos sorrisos espontâneos, sinto falta do lar que eu era pra algumas pessoas e principalmente, pra mim. Sinto não poder fechar a porta e sair. Me abandonar de vez, sabe? Deixar ruínas serem engolidas pelo tempo. Sou eu, não a casa. A prefeitura não pode vir, me derrubar e construir uma nova eu. As coisas não funcionam assim.

Vai ser difícil ignorar o cheiro ruim de mofo ou não ter preguiça. Vai doer, mas eu preciso arranjar tempo pra cuidar do que é meu. Da minha casa, cuido eu. Posso ter ajuda até, mas só eu sei onde cada coisa fica. Eu vou ficar e mudar. Sejam as coisas de lugar ou não. Vou jogar fora o que não pode ficar, ou porque não presta, ou porque não tem mais lugar. Vou esvaziar, como um balão de gás. Vou dar espaço pra mim, vou me deixar tentar, por mim, pra mim e porque eu quero. É a minha vez, agora. Já posso resolver os problemas de casa sozinha. Já sou grandinha e posso ficar em casa sozinha. Cuidar dela.

Não sou uma casa, mas seja bem vindo. Fique se quiser. Estou em reforma, não repare a bagunça. Se quiser me ajudar, estou pedindo ajuda. Estou caindo aos pedaços e pretendo reformar. Vai ser o tempo de mudar de roupa, ou de curar um coração partido.

Seremos o tempo e eu, cuidado de cada detalhe, tendo todo o trabalho que você não quis ter. Você deixou o lar, mas a casa é minha. Fica à vontade pra ir. Eu não sou a casa, você não precisa voltar. Vou cuidar de mim, me dar abrigo. Serei meu próprio lar.

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